sábado, 30 de outubro de 2010

Se o condutor se recusar em realizar o exame de sangue ou fazer o teste do bafômetro subsistirá o crime de embriaguez ao volante??




Tema atual e polêmico tem sido o crime de embriaguez ao volante.

A questão é a seguinte: uma pessoa que, na direção de veículo automotor, se recusa a ofertar provas para o teste de etilômetro (bafômetro), bem como a realizar o exame de sangue, sendo, por este motivo, submetida a exame clínico (realizado por um Médico Legista), que constata concentração de álcool por litro de sangue superior ao índice tolerado pela lei, que é de 0,6 g/l, comete o crime de embriaguez ao volante??

Pois bem, estabelece o artigo 306 e seu parágrafo único da Lei 9.503/97 (CTB) o seguinte:
“Conduzir veículo automotor, na via pública, estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência.
“ Parágrafo único. O Poder Executivo federal estipulará a equivalência entre distintos testes de alcoolemia, para efeito de caracterização do crime tipificado neste artigo”.

Verifica-se que o artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro exige, para a comprovação da ebriedade, a constatação de uma determinada concentração de álcool por litro de sangue (0,6 g/l, ou mais). No entanto, como o parágrafo único do referido artigo estabeleceu que a equivalência entre os distintos testes de alcoolemia, para efeito de caracterização do crime de embriaguez, dependeria de um ato normativo do Poder Executivo federal, a adequação típica do delito em análise ficou completamente dependente da expedição deste ato normativo. Assim, no dia 19 de junho de 2008, em regulamentação ao parágrafo único do artigo 306 do CTB, o Poder Executivo Federal publicou e emitiu o Decreto nº 6.488, que fixou o seguinte:


“Art. 2º: Para os fins criminais de que trata o art. 306 da Lei n° 9.503, de 1997. Código de Trânsito Brasileiro, a equivalência entre os distintos testes de alcoolemia é a seguinte:

I - exame de sangue: concentração igual ou superior a seis decigramas de álcool por litro de sangue; ou
II- teste em aparelho de ar alveolar pulmonar (etilômetro): concentração de álcool igual ou superior a três décimos de miligrama por litro de ar expelido dos pulmões”.

Ocorre que tal regulamentação (Decreto nº 6.488), estabeleceu critérios objetivos para a comprovação da taxa de alcoolemia, ao prever, apenas, duas modalidades de prova: ou por meio de exame de sangue ou por aparelho de ar alveolar pulmonar (etilômetro – bafômetro); assim, a própria lei penal (CTB, art. 306, parágrafo único, já regulamentado) estabeleceu para a prova desse crime o sistema da prova legal (ou tarifada), pois não deixou critério algum de discricionariedade à demonstração e convencimento por parte do órgão decisório, mas lhe impôs restrição estrita ao sistema de pesos e valores estabelecidos pelo mencionado ato normativo federal. Desse modo, a legislação aplicável ao caso restringiu, sobremaneira, o sentido e o alcance da norma, não se admitindo outra modalidade de prova senão aquelas duas expressamente previstas.

Diversos precedentes específicos do Eg. Tribunal de Justiça de São Paulo já enfrentaram a questão e firmaram entendimento nesse sentido. No entanto, no C. Superior Tribunal de Justiça, a questão foi enfrentada no ponto crítico, e a sua C. 5ª Turma já tem pelo menos quatro precedentes convictos no sentido de que, não tendo havido exame de sangue ou etilômetro (seja porque o condutor não aceitou fornecer material para exame, seja porque não havia equipamentos próprios de aferição da sede do evento), seria possível a prova da materialidade por via indireta (testemunhas, confissão, exame clínico, forma de condução anormal do veículo etc.), com invocação do art. 167 do CPP para tais fins.

Contudo, isso tampouco é pacífico no próprio E. Superior Tribunal de Justiça. É que, recentemente, no dia 10 de outubro de 2010, foi noticiado no site oficial do STJ (mais notícias) que, no julgamento do HC 166.377, a C. 6ª Turma concedeu habeas corpus para trancar a ação penal contra motorista que se recusou sujeitar-se aos exames.

Portanto, conclui-se que, ainda que o exame de constatação clínica de embriaguez (realizado por Médico Legista) afirme que a concentração de álcool no sangue seja igual ou superior a seis decigramas por litro de sangue, tal prova não é legalmente suficiente e satisfatória. E assim o é porque, por imposição da própria lei (art. 306, p. ún., do CTB, regulamentado pelo Decreto 6.488/08), a comprovação da materialidade desse elemento normativo do tipo penal (a concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6dg/L) somente é suscetível de ser validamente produzida no processo penal por meio de exame de sangue ou de etilômetro (bafômetro).

Diante de tudo isso, não sendo obtida a prova por nenhum daqueles dois meios exclusivos exigidos pela lei, abre-se espaço para impunidade e não há que se falar no crime de embriaguez ao volante. A lei é boa porque tem por objetivo combater um grave motivador para os crimes de trânsito, mas a sua regulamentação, na prática, pode torná-la ineficaz. É preciso uma urgente alteração legislativa sob pena de, em breve espaço de tempo, a embriaguez ao volante ser tema apenas da literatura, sem qualquer punição aos respectivos infratores.